quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

O início, o fim e o meio

Ao descrever-nos, despimos um pouco de nossa personalidade e a exibimos ao mundo. Sendo honestos, se torna possível abrir o nosso microcosmo e permitir que outros microcosmos, outros universos particulares, possam interagir, adicionar, subtrair e celebrar a imensa diversidade da nossa realidade.

Ao descreverem-se, reconhecendo sua íntima conexão com o macrocosmo, Raul Seixas e Paulo Coelho desenvolveram Gita, uma canção atemporal, universal:

“Eu que já andei pelos quatro cantos do mundo procurando,
Foi justamente num sonho que ele me falou.”

Às vezes você me pergunta
Por que é que eu sou tão calado
Não falo de amor quase nada
Nem fico sorrindo ao teu lado

Você pensa em mim toda hora
Me come, me cospe, me deixa
Talvez você não entenda
Mas hoje eu vou lhe mostrar

Eu sou a luz das estrelas
Eu sou a cor do luar
Eu sou as coisas da vida
Eu sou o medo de amar

Eu sou o medo do fraco
A força da imaginação
O blefe do jogador
Eu sou, eu fui, eu vou

Gita, Gita, Gita

Eu sou o seu sacrifício
A placa de contramão
O sangue no olhar do vampiro
E as juras de maldição

Eu sou a vela que acende
Eu sou a luz que se apaga
Eu sou a beira do abismo
Eu sou o tudo e o nada

Por que você me pergunta
Perguntas não vão lhe mostrar
Que eu sou feito da terra,
Do fogo, da água, do ar

Você me tem todo dia
Mas não sabe se é bom ou ruim
Mas saiba que eu estou em você
Mas você não está em mim

Das telhas eu sou o telhado
A pesca do pescador
A letra A tem meu nome
Dos sonhos eu sou o amor

Eu sou a dona de casa
Nos pegues pagues do mundo
Eu sou a mão do carrasco
Sou raso, largo, profundo

Gita, Gita, Gita

Eu sou a mosca da sopa
E o dente do tubarão
Eu sou os olhos do cego
E a cegueira da visão

Mas eu sou o amargo da língua
A mãe, o pai, o avô
O filho que ainda não veio,
O início, o fim, e o meio

Eu sou o início, o fim e o meio.

quinta-feira, 30 de novembro de 2006

O Paganismo que foi, o Paganismo que é.

OBS: Texto original no site http://sfeminino.multiply.com/journal/item/8
Sendo o Paganismo uma cultura e sua religiosidade, uma manifestação dessa cultura, é preciso estudo e análise para esboçar uma definição a cerca do que seria a “real” prática religiosa pagã nos dias atuais.

Por se caracterizar como uma religiosidade pré-histórica (primitiva) e não possuir registros escritos ou livros doutrinários, o Paganismo e sua perpetuação se deram basicamente através dos conhecimentos transmitidos hereditariamente e, posteriormente, com a união dessas informações com o conhecimento científico histórico e antropológico.


Contudo, é sabido que nenhum conhecimento está impedido de sofrer alterações e influências, principalmente tendo suas origens nos primórdios da humanidade. Como afirmam os autores Joyce & River Higginbotham, o Paganismo hoje é “é um termo ‘guarda-chuva’, que descreve uma multiplicidade de tradições religiosas e espirituais”. Logo, temos hoje o que muitos chamam de “salada mística”, ou seja, uma infinidade de tradições dentro do Paganismo, assim como o surgimento e a possibilidade de desenvolvimento de caminhos pessoais e particulares para pagãos solitários.

No meio dessa “salada” representativa do Paganismo atual, podemos citar as influências do Xamanismo, do Druidismo, das religiosidades africanas, do Espiritualismo, das filosofias orientais, do Universalismo, da Mitologia, da Psicologia, do movimento New Age, dentre vários outros, inclusive o Cristianismo.

Esta variedade de conceitos, práticas e conhecimentos no caldeirão do Paganismo contemporâneo é uma maneira de reconstruir e/ou reformar, reformular práticas ancestrais, preservando-as e adaptando-as à realidade moderna. É uma forma de compreender o velho com caráter do novo e vice-versa, promovendo o equilíbrio sagrado e o cumprimento das leis naturais da vida: existir e transformar-se.

Estamos vivendo um período que representa parte do ciclo e este momento pede liberdade para o Paganismo, de modo a permitir que ele tome a sua forma natural, transformada e, compreensivelmente, diferente.

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HIGGINBOTHAM, Joyce & River. Paganismo: uma introdução da religião centrada na terra. Tradução Ana Carolina Trevisan Camilo. São Paulo: Madras, 2003.
Paganismo. WIKIPÉDIA. Disponível em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Paganismo

segunda-feira, 6 de novembro de 2006

Química e Conexões

Imagem: GettyImages
Certamente muitos já disseram que um casal para dar certo “tem que ter química”. No dicionário, química é o substantivo feminino que designa a “Ciência que estuda as propriedades das substâncias e as leis que regem as suas combinações e decomposições.” Mas, em seu significado mais “romântico”, química é uma espécie de força magnética quase física que aproxima as pessoas, que atrai ainda que forças intelectuais ou sociais não estejam em plena concordância. É inerente aos seres humanos e neles manifesta curiosidade e encantamento por ser simplesmente incontrolável, inevitável no momento de sua ocorrência. Química está ligada ao instinto humano.

Indubitavelmente muitos também já identificaram um sentimento particular de conexão que despertasse um conhecimento familiar sobre uma determinada pessoa ou lugar. A Professora Gabriela Leite, em sua palestra sobre Filosofia e Eternidade, disse que quando encontramos alguém que partilha da mesma busca que nós, parece que o conhecemos desde sempre. Afinal, os orientais, segundo ela, já diziam que “a eternidade não é um tempo que nunca acaba, mas um tempo que é”.

Essa sensação de conexão é explicada por alguns espiritualistas pela lei do “semelhante que atrai semelhante”. Ao emitir seus pensamentos e desejos, o ser humano estaria como que “sintonizando” um padrão vibracional no Universo. Da mesma forma, essas vibrações também o sintonizariam, provocando uma reação que condiria com o dito popular de que “nós plantamos o que colhemos” e também com o princípio neopagão do Eterno Retorno – “tudo o que vai de nós, volta para nós”.

Independentemente dos meios, as conexões acontecem. No dicionário, conexão é a “ligação de uma coisa com outra” ou ainda “dependência, relação, nexo.” Em seu significado mais “romântico”, conexão é uma espécie de força magnética quase mental que aproxima as pessoas, que atrai ainda que as forças físicas não estejam em plena concordância. Também é inerente aos seres humanos e neles manifesta curiosidade e encantamento por ser simplesmente perceptível inevitável no momento de sua ocorrência. Conexões estão ligadas à intuição humana.

Tanto a “química” quanto as “conexões” são conceitos abstratos que não são abordados com muita freqüência sequer pelas religiões. São conceitos ainda inteiramente conectados aos porões da mente, pois tratam do instinto e da intuição, elementos que foram subjugados durante séculos de um patriarcado parcialmente negligente.

É fato que a ciência se desenvolve enquanto a religião está em baixa. O racionalismo e o materialismo se desenvolveram enquanto o espiritualismo e o idealismo estiveram soterrados. Nesses momentos, o conceito taoísta do Yin/Yang nada oferecia às sociedades ocidentais sedenta por somas e nunca divisões.

Sofremos hoje, portanto, os resultados desse desequilíbrio. E reviver conceitos como a ‘química física’ e as ‘conexões mentais’ é dar vazão a uma gama de sentimentos relacionados ao instinto e a intuição que por séculos foram condenados diante de uma razão exagerada; mas que, ainda assim, são parte de nós e parte do Todo e da mesma forma permaneceram por todo o tempo.

Apesar de serem noções, de certa forma, passivas e latentes, em cada yin existe a centelha yang da manifestação e da atividade. Trazer de volta estas abstrações é como pingar uma gota d’água num oceano de idéias que nos levam às profundezas da alma, mas de onde podemos emergir renascidos e revigorados para trilhar com firmeza o caminho de volta à Grande Mãe.

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LEITE, Gabriela. Filosofia e Eternidade. 2006. Palestra realizada na Nova Acrópole em 04 nov. 2006.
MICHAELIS – UOL. Dicionário de Língua Portuguesa, Inglesa e Espanhola.

quarta-feira, 1 de novembro de 2006

É Primavera nos túmulos...

É Primavera no Brasil. No auge da estação, até a moda anuncia o Verão que se aproxima. Tudo é muito claro e vívido, o clima da cidade já começou a esquentar e o vento traz o equilíbrio necessário para o corpo e para a mente.

E mesmo em meio ao calor primaveril, nesse período se aproxima o feriado Cristão do Dia de Finados, que representa um momento de recolhimento, de resgate às lembranças dos ancestrais que partiram e de reflexão sobre o processo da morte. Acaba então sendo Primavera lá fora e Inverno dentro de nós.

Para os Pagãos do Norte é Samhain, o festival em que o véu entre os mundos é mais tênue, em que se honra o legado daqueles que estiveram antes sobre o corpo da Grande Mãe. Para os Pagãos do Sul é Beltane, o auge da Primavera, o momento onde o Sol realça todo o seu poder e força fertilizadora. A Deusa Terra está enfeitada com o colorido das flores.

Torna-se impossível, portanto, permanecer alheios à dualidade presente nesta época do ano. Mesmo no Hemisfério Sul estamos em contato freqüente com os velhos costumes nortistas arraigados em nossa cultura ocidental. Papai Noel, símbolo do Natal, está envolvido pela idéia do clima gelado, pelas roupas de frio, pela neve. E no “nosso” Natal as roupas são leves, há festejos e danças, há o calor e a alegria de quem está em expansão, como o Sol antes do Verão.

É possível concluir, então, que o nosso planeta vive numa constante dualidade: Oriente/Ocidente; Norte/Sul; morte/vida; frio/calor e assim continuamente. Experimentamos essa realidade fora e dentro de nós durante todo o tempo e é possível perceber a sua interdepedência. O médium James Van Praagh diz que “o exterior é um espelho do interior”. E negar uma polaridade é negar a outra por conseqüência.

A filosofia do Taoísmo aborda esse tema com particularidade. Diz-se que “o conceito chinês de Yin e Yang representa a idéia de que o mundo é um todo e que esse todo é o resultado da união contraditória de dois princípios, o yin e o yang.” Contudo, “cada fenômeno pode pertencer ao Yin ou ao Yang, mas dentro dele há a semente da fase contrária.”

Portanto, esta é a hora de comungar a egrégora do silêncio, enquanto notamos as centelhas de luz chegar de fora para dentro de nós. É momento de celebrar o inverno da morte na esperança do renascer da primavera, percebendo o ciclo imortal da transformação.

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PRAAGH, James Van. Conversando com os Espíritos. Tradução Luiz Antônio Aguiar. Rio de Janeiro: Sextante, 1998.
Yin Yang. Disponível em:
www.escoladafamilia.sp.gov.br/lienchi/yineyang.doc

quinta-feira, 12 de outubro de 2006

O Paganismo saindo do armário


Muita gente já ouviu falar na Wicca. Outras pessoas se assustaram com o termo “Bruxaria”. Alguns já leram sobre os druidas e outros até se trataram com xamãs. Quem nunca fez simpatia de ano novo? Celebrou a Páscoa Cristã presenteando com ovos decorados? Rezou pela Natureza? Quem nunca pediu ao Sol que não se escondesse naquela festa a céu aberto, ou rogou a Lua por um grande amor?

Este é um post sobre o Paganismo. Principalmente para mostrar que não há nada de assustador ou extraordinário nessa palavra. Para desfazer mitos que foram impostos, para falar um pouco da História que ignoramos, para explicar as crenças que herdamos e utilizamos no dia-a-dia.

Primeiramente, desmistificando o Paganismo partindo das questões lingüísticas, Joyce e River Higginbotham (2003, p.24) explicam:

A palavra pagão vem do termo latino paganus, que significa “habitante do campo”. Ele pode ter sido um termo pejorativo criado por habitantes da cidade para descrever “aqueles caipiras ali” (...). Como o termo “pagão” tendeu a possuir um sentido negativo, ele foi adotado mais tarde como um insulto. Durante as Cruzadas, os Cristãos denominaram os Muçulmanos de “pagãos” e, mais tarde, os Protestantes e Católicos atacavam-se uns aos outros com esse termo. Por fim, “ser pagão” passou a significar alguém sem religião.

É bastante comum as pessoas também associarem o termo “pagão” àqueles que não foram batizados no Cristianismo. Contudo, atualmente é possível dizer que pagãos (ou neopagãos) são pessoas que trilham um caminho espiritual centrado na Natureza, se apoiando em determinadas tradições e que trabalham para resgatar formas de religiosidade antigas ou já extintas (pré-cristãs) e adaptá-las à forma de pensar e viver moderna.

Entretanto, pouco se pode falar do Paganismo generalizando-o, pois ele, segundo o casal Higginbotham (2003) “é um termo ‘guarda-chuva’, que descreve uma multiplicidade de tradições religiosas e espirituais”. Dentre elas estão as citadas no início do texto, como a Wicca (ou Bruxaria Moderna), o Druidismo (forma de espiritualidade originária dos povos Celtas) e o Xamanismo (espiritualidade indígena). Ainda assim, podemos citar dois tópicos comuns às tradições pagãs:

• A crença na interconexão com o Universo;
• O respeito à natureza divina e à própria natureza (inclui, portanto, o conceito de igualdade entre os seres, independente de sexo, raça, cor ou credo. Algumas tradições são focadas, inclusive, na face feminina da Divindade. Logo, dificilmente existirão pagãos machistas ou que preguem a submissão feminina).

É preciso leitura e análise prática dos conceitos do Paganismo na atualidade. Abrir a mente para novos conceitos se faz fundamental. Por muito tempo, fomos bombardeados por informações deturpadas por instituições religiosas que transformaram o conceito de paganismo e de suas práticas em ações demoníacas ou malignas. Não é novidade que a Inquisição foi um tempo de perseguições às formas alternativas de religare, marcado pela intolerância e pela dominação.

Apesar disto, muito da cultura pagã resistiu no nosso cotidiano. São datas, práticas e rituais que herdamos dos nossos antepassados e repetimos atualmente, mesmo desconhecendo suas origens. A Igreja, por exemplo, criou a Páscoa Cristã como símbolo do renascimento de Deus. Antes disso, porém, existia Ostara (que é celebrado no Hemisfério Norte no mesmo período da Páscoa), ou o Equinócio de Primavera, que trazia a idéia do renascimento do Deus Sol para fertilizar a Terra. Por falar em fertilidade, daí surgiu o famoso símbolo do Coelho da Páscoa. Os ovos, por sua vez, representavam o nascimento. Ainda hoje, portanto, repetimos os antigos costumes pagãos, nos presenteamos com ovos decorados.

Mas, vale salientar que o Paganismo e suas vertentes, apesar de estarem enraizados na nossa cultura, possuem sensíveis distinções em relação às religiões mais populares. Primeiramente, o Paganismo não oferece um discurso de “salvação”. Tampouco existem “instituições pagãs”. Dificilmente se encontrarão templos wiccanianos, por exemplo, que não sejam os naturais (bosques, praças, parques, praias). Pagãos também não fazem proselitismo – não desejam converter outros indivíduos à sua doutrina e sistema. Pode-se considerar que a maioria dos pagãos até mesmo não é de “mostrar a cara”.

Porém, atualmente, o Paganismo está saindo do armário. Ressurgindo, pouco a pouco, no nosso cenário regional através de adeptos que desejam vivenciar sua espiritualidade livremente, longe da atitude preconceituosa arcaica. São bruxos e bruxas (ou magos, druidas, xamãs, ecléticos, wiccanos, solitários etc) lutando pela quebra dos estereótipos e paradigmas impostos num Ocidente Cristão pelo materialismo e pela dominação, tentando fazer valer os seus direitos de cidadãos com liberdade de escolha, pois assim diz Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu Artigo 18:

“Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência, religião; esse
direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença, pelo ensino, pela
prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou
em particular.”

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HIGGINBOTHAM, Joyce & River. Paganismo: uma introdução da religião centrada na terra. Tradução Ana Carolina Trevisan Camilo. São Paulo: Madras, 2003.
Páscoa. Cultura Brasileira. Disponível em
http://www.culturabrasil.org/pascoa.htm
Artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Liberdade Religiosa. Disponível em
http://www.liberdadereligiosa.org

terça-feira, 10 de outubro de 2006

Pecados da Religião

Religião vem do latim religare, que significa religar. Religar-se, portanto, com o Divino, o nosso senso ou conceito da Criação.

Então, quando se pergunta a uma pessoa “qual a sua religião?”, se está perguntando, ainda que indiretamente, “qual a sua forma de religare?”, pois existem várias. As religiões são o intermédio entre nós e Deus (ou como se queira chamá-lo) e as práticas religiosas são formas de entramos em contato com nosso eu interior, buscando descobrir o nosso eu divino – aquela centelha de divindade que existe dentro de cada um.

A maioria das religiões, ou seja, das formas de religare, “prega” o amor, e a busca da maior parte das pessoas é a mesma: a felicidade. No final das contas, somos todos muito parecidos, buscando destinos muito parecidos, apenas trilhando caminhos distintos.

É trágico, porém, entrar em contato com duas infelizes características da humanidade no que concerne aos assuntos religiosos: ignorância e intolerância. A falta de conhecimento sobre aquilo que é diferente gera dentro das pessoas um sentimento preconceituoso diante do novo que é apresentado. No âmbito religioso não é diferente. Algumas pessoas fazem uso dos estereótipos¹ religiosos que permeiam a mente social nas mais variadas camadas (quem nunca ouviu que “todo crente é radical”, “todo umbandista é macumbeiro”, “todo católico é hipócrita”, “espíritas são perigosos”, “muçulmanos são fundamentalistas suicidas”, “judeus são interesseiros”, ou até mesmo “todo ateu é arrogante” e assim seguindo?); outras se baseiam nas doutrinas muitas vezes preconceituosas das suas próprias igrejas e acabam, paradoxalmente, “pecando” (julgando, faltando com o amor para com o próximo, desonrando seus próprios valores).

Faz-se acreditar, portanto, que o mundo poderia ser mais feliz se fôssemos mais ecumênicos. Em idas e vindas de observação do comportamento religioso humano, é perfeitamente possível encontrar mulheres muçulmanas que se sentem livres dentro de suas burcas, católicos ativos e dedicados, evangélicos completamente tolerantes e maravilhosos círculos de candomblé.

Conhecer é preciso. Experimentar também, se possível. Não podemos compreender a dimensão da religiosidade do próximo se não a vivenciarmos junto com ele. Precisamos entender que outras pessoas comungam uma mesma energia, mas de modo diferente do nosso. E que esta maneira não é “a certa”, tampouco “a errada”, apenas “diferente”.

Contudo, para passar por essas experiências, precisamos nos certificar daquilo que existe dentro de nós e combater toda a insegurança e o preconceito oriundos da ignorância. É preciso abrir o coração e a mente, assim como fizeram os grandes mestres da humanidade. É preciso calar, ouvir e aprender mais. Evoluir, como sugerem os espiritualistas. As guerras santas, a Inquisição e tantas outras perseguições que sujaram e sujam a história humana nasceram no berço da intolerância. E esta, por sua vez, no berço da escassez de conhecimento.

“Se queres ser universal, olha a tua aldeia”². Observando os nossos erros antes de apontar os dos outros, fazemos um exercício de consciência e autocrítica. Poderemos, então, talvez perceber que muitas vezes somos preconceituosos antes de pré-conceituados. Intolerantes antes de intolerados. E como toda ação tem uma reação, precisamos tomar cuidado para que não se dê continuidade ao ciclo vicioso da estupidez.

Torna-se possível concluir que o mundo estaria melhor se todos se convertessem ao conhecimento mais sagrado, à atitude mais evoluída, à opção mais segura, à melhor religião de todas: o respeito.

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¹ Estereótipo é a imagem preconcebida de determinada pessoa, coisa ou situação; uma forma de representar um grupo ou povo de forma generalizada (como se todos fossem iguais). WIKIPÉDIA, a Enciclopédia Livre. Disponível em http://www.pt.wikipedia.org
² Citação encontrada no site Universo de Luz. Disponível em http://www.universodeluz.net
Imagem de GettyImages. Disponível em http://www.gettyimages.com

sexta-feira, 6 de outubro de 2006

A Deusa Lua

Lua Cheia, face da Deusa Mãe
Muitos são os assuntos a se falar num espaço como este. O microcosmo representa, para mim, o homem e seu interior, aquela nossa busca incessante de descobrir e nos conectar aos mistérios da vida.

Falando em mistérios, hoje a lua cheia despontou no céu e clareou a nossa noite, trazendo admiração e encantamento para todos que a perceberam. É impossível ficar indiferente ao plenilúnio. Nesse momento a lua nos mostra o seu poder e sua magia, nos sentimos admirados com as maravilhas da Natureza.

Paulo Coelho já diria que “uma das faces de Deus é a face de uma mulher”. Algumas filosofias orientais confirmam a existência de um princípio feminino como uma polaridade da Criação. E o Paganismo sugere que essa face se manifesta de várias formas: na terra, na água, no yin, na mulher, na lua. Torno a citar Paulo Coelho (vi alguns olhares retorcidos aí?):

“Esta mulher – a Deusa, a Virgem Maria, a Shechinah judaica, a Grande Mãe, Ísis, Sofia, serva e senhora – está presente em todas as religiões da Terra. Foi esquecida, proibida, disfarçada, mas seu culto seguiu de milênio a milênio, e chegou até os dias de hoje.”

Eckhart Tolle em seu best seller também explica uma realidade:
“Muitas culturas antigas instintivamente escolhiam figuras ou analogias femininas para representar ou descrever a realidade transcendental e sem forma. (...) Quando a mente tomou o poder e os seres humanos perderam contato com a realidade da essência divina, eles começaram a pensar sobre Deus como uma figura masculina.”

Ele continua sua abordagem, discorrendo sobre a situação atual: “muitas pessoas empregam atualmente a palavra Deusa em vez de Deus. Estão dando uma nova roupagem ao equilíbrio entre homem e mulher, perdido há muito tempo”.

É perceptível, portanto, que as pessoas estão caminhando a uma maior abertura de mente sobre outros pontos de vista religiosos e, por que não, estão melhor “aceitando” o que é referente à Deusa. Se é a proximidade da Era de Aquário ou o conteúdo sugerido por trás das ficções de Dan Brown, não se sabe dizer, mas as coisas estão acontecendo.

Portanto, a Lua Cheia abriu espaço para a inspiração e este é um post sobre a Deusa - o princípio feminino que permeia tudo existente no Universo, a Grande Mãe, a Natureza, a própria Lua, os arquétipos das divindades femininas, a subjetividade e o não manifesto.

De um ponto de vista mais próximo da nossa realidade, podemos explicar a Deusa através da Lua, do planeta Terra e do elemento água. A Lua é uma representação do Sagrado Feminino porque aparece à noite, o momento do recolhimento e da introspecção e tem um ciclo contínuo que passa por quatro fases (ou três “faces”, segundo as tradições da Bruxaria). Já a Terra representa o poder criativo e nutridor do Feminino – viemos da Terra e para ela voltaremos, e é nela que existem e se mantêm todas as formas de vida que conhecemos. Quanto a água, é feminina pois representa o inconsciente (remetemos ao tempo onde estávamos no útero rodeados por água), também a flexibilidade, passividade e adaptação, além de ser a mantenedora da vida no planeta.

Hoje, portanto, é o dia da Mãe, da Lua Cheia, do ápice do poder do Sagrado Feminino representado na figura do nosso satélite natural. Tentar aproveitar a magia dessa noite tão poderosa em benefício do planeta e dos seus seres é o objetivo de muitas pessoas num momento como este, a celebração do que chamamos Esbat.

Que a Grande Mãe nos envolva com seu poder criativo e nutra dentro de nós a capacidade de ser mais tolerantes e de perceber a nossa conexão com todos os seres. Que o décimo plenilúnio do ano possa trazer, junto com o poder da Primavera, novos aspectos de transformação na vida de todos. Que assim seja e assim se faça!


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COELHO, Paulo. Nas margens do rio Piedra eu sentei e chorei. Rio de Janeiro: Rocco, 1995.
TOLLE, Eckhart. O poder do Agora. Tradução Iva Sofia Gonçalves Lima. Rio de Janeiro: Sextante, 2002.